Turismo de experiência

Publicado por Marco Navega em 10 de abril de 2015
“Existe uma grande diferença entre uma viagem apenas para se lembrar e outra, realmente marcante, para nunca mais se esquecer.”
Desde os primórdios vivemos épocas de transformação, com o agora não é diferente. O mundo está mudando e não por menos o turista e o turismo também. O turista de hoje é um hiperconsumidor.E o turismo que por força sempre foi uma vivência está se transformado em algo experiencial. Talvez seja por conta daquilo que aborda o filósofo e pesquisar francês, Gilles Lipovetsky: “na corrida às coisas e aos lazeres, o Homo consumericus esforça-se mais ou menos conscientemente em dar uma resposta tangível, ainda que superficial, à eterna pergunta: quem sou eu?”. O fato é que hoje pertencemos a uma sociedade desenvolvida, onde mais do que nunca os consumidores mostram-se imprevisíveis e voláteis. Chegamos à época do hiperconsumismo, da desconstrução ideológica da necessidade, de um consumo cada vez mais ordenado em função de fins, de gostos e de critérios individuais, regida por uma lógica subjetiva e emocional. Isso significa que os bens de consumo que antes eram símbolos de status atualmente aparecem como serviços à pessoa.
Outra análise importante é que o hiperconsumidor tem todas as condições de fazer uma escolha entre as mais diferentes propostas de oferta. Além do que, ele quer fazer a compra ‘esperta’ – ele quer comprar o menos caro sem ter que dar as costas para a qualidade e nem comprar menos. Este é o motivo da rápida progressão das marcas e serviços low cost.
“Na há vergonha em pagar menos caro, a compra "esperta" torna-se valorizada, marca de inteligência.”
Entraram em jogo a Economia de experiência e o Consumo emocional.
“’Economia de experiência’, a dos lazeres e do espetáculo, do jogo, do turismo e da distração. É nesse contexto que o hiperconsumidor busca menos a posse das coisas por si mesmas que a multiplicação das experiências, o prazer da experiência pela experiência, a embriaguez das sensações e das emoções novas: a felicidade das ‘pequenas aventuras’, previamente estipuladas, sem risco nem inconveniente.”
É hora da atratividade sensível e emocional. O turista quer viver experiências afetivas, imaginárias e sensoriais. Trata-se de uma nova relação emocional do turista com o destino e os serviços turísticos, uma relação que passa a instituir a prioridade do que se sente. Em palavras mais claras: o que o turista quer é sentir sensações, viver experiências, melhorar a sua qualidade de vida.
“O consumo emocional aparece como forma dominante quando o ato da compra (...) passa para uma lógica desinstitucionalizada e intimizada, centrada na busca das sensações e do maior bem-estar subjetivo.”
Lipovetsky, em seu Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, diz que “as indústrias de lazer trabalham hoje com a dimensão participativa e afetiva do consumo, multiplicando as oportunidades de viver experiências diretas. Já não se trata mais apenas de vender serviços, é preciso oferecer experiência vivida, o inesperado e o extraordinário capazes de causar emoção, ligação, afetos e sensações.
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Comunidade Maasai, Tanzânia. Créditos imagens: Leo Mattos e Alessandro Noriaki.
É justamente isso que se trabalha no turismo de experiência. Um produto turístico não convencional, sem tours corridos, sem horas marcadas para visitações e hotéis que servem apenas para dormir. O turista hiperconsumidor está buscando “outro tipo de relação com o local visitado, na qual uma tarde vivenciando os costumes locais vale mais do que rodar a cidade dentro de um ônibus”. Ele quer atividades que exprimam o seu desejo de se reapropriar de seus prazeres, de viver experiências de uma maneira mais pessoal, não guiada e nem moldada pelo mercado. Esse turista está buscando acima de tudo, viver experiências significativas.
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Crédito imagem: Tempos de gestão - Blog
Deep connections (conexões profundas): “E, portanto, houve uma razão pela qual esta foi a melhor viagem de nossas vidas: conexão. Claro que o clima foi espetacular, a comida foi incrível e os lugares que fomos foram muito legais, mas foi a nossa conexão com outras pessoas que se destacou entre todo o resto. Foi essa conexão, que deu sentido à nossa viagem”. As empresas e os destinos turísticos que querem abraçar essa tendência precisam se conectar de forma mais direta com o seu público, ensinando, divertindo e proporcionando momentos especiais a ele.A satisfação de se viver uma experiência sensorial instigam partes do cérebro que tornam a sensação de prazer mais duradoura e a memória mais forte. Oferecer experiências que envolvam músicas, sons, cores e, claro, atividades podem despertar sentimentos. E conseguir despertar sentimentos positivos é a chave para tornar uma viagem valiosa e inesquecível.
“Tudo pode ser planejado pensando na experiência final do visitante, basta valorizar a riqueza da cultura local e explorar os recursos tecnológicos disponíveis para proporcionar experiências. Quanto mais intenso for o envolvimento do ambiente com o turista, mais forte será a lembrança, mais marcante será cada momento e maiores são as chances de que o viajante volte e faça boas recomendações.”
É isso que se trabalha com o marketing sensorial e o marketing experiencial. “O sensitivo e o emocional tornaram-se objetos de pesquisa de marketing destinados, de um lado, a diferenciar as marcas no interior de um universo hiperconcorrente, do outro lado, a prometer uma "aventura sensitiva e emocional" ao hiperconsumidor em busca de sensações variadas e de maior bem-estar sensível.” O marketing sensorial procura melhorar as qualidades sensíveis, táteis e visuais, sonoras e olfativas dos produtos e dos locais de venda, enquanto o marketing experiencial cria uma ambiência de convívio e de desejos, introduzindo prazer na frequentação dos locais de venda. Obviamente essas técnicas podem extrapolar os locais de vendas perpassando todos os momentos da viagem. É importante compreender que o turismo de experiência não se reduz ao momento do desfrute da viagem, como acontecia nas viagens tradicionais. Hoje a viagem é composta de todos os momentos em que o turista se apodera das informações e as coloca em share (as compartilha). O que de uma maneira ilustrativa podemos pensar:
  • No momento de pesquisa e escolha da viagem o turista busca a excitação e as sensações que são oferecidas;
  • No ato de compra o turista visa o prazer da novidade e o arrebatamento de uma aparência de aventura;
  • Na realização da viagem o turista quer a experiência vivida daquilo que lhe prometido;
  • Também durante, mas principalmente após, o turista quer compartilhar em rede tudo aquilo que experimentou e sentiu.
O turista hiperconsumidor assemelhando-se cada vez mais a um "colecionador de experiências".
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Crédito imagem: Geralt. Licença: CC0 Public Domain.
É importante notar que a viagem turística não pode mais ser gerenciada como era feita antes, estamos na Era da Multimídia, as próprias pessoas geram seus conteúdos, suas imagens..“Éramos consumidores de objetos, de viagens, de informações; eis que somos, ainda por cima, superconsumidores de intimidade.” De agora em diante a vida pessoal se exibe em plena luz do dia, vivenciamos a superexposição das imagens de felicidade fora do comum.
Essa transformação do turismo convencional e em turismo de experiência perpassa também a enorme diversificação e multiplicação dos serviços aos viajantes. O que é muito fácil notar quanto falamos das empresas de transporte, visto que hoje o seu principal objetivo tem sido fazer com que o turista esqueça que as viagens no espaço levam tempo.
“Já não se trata tanto de ir mais depressa quanto de fazer passar mais rapidamente o tempo da viagem e permitir um melhor controle subjetivo do tempo.”
Gilles aborda isso de uma forma muito lúcida: “O trem e o avião eram antes de tudo meios de transportes rápidos: são cada vez mais concebidos como "navios de cruzeiros" e "trens-bala comunicantes" cuja aposta é "viajar melhor", graças a uma infinidade de serviços multimídia centrados em trono do divertimento, dos jogos e da informação”. O turista hiperconsumidor busca por mais conforto, mais serviços, mais distrações. Por conta, disso as empresas de transporte estão se transformando em multisserviços aos viajantes. E o que vemos é esse boom, essa multiplicação de serviços relacionados à experiência da viagem, que miram proporcionar uma melhor experiência, a princípio menos cansativa e mais divertida: “O passageiro não é mais apenas aquele que toma o trem, o avião ou o carro, é um hiperconsumidor a ser atraído, ocupado, distraído”.
(Faço aqui um parêntese relevante: O que está por baixo desse pano de distração do turista é a comercialização do tempo, é a estruturação do tempo em um sobreconsumo, um consumo no consumo. Entretanto, isso fica um assunto para um novo post, é uma questão muito interessante, mas complexa. Mas não se preocupe, logo trabalharei um pouco mais essa ideia aqui com você.)
Bem, o turista hiperconsumidor, o turismo de experiência, bem como o marketing sensorial e o marketing experiencial estão aí: na cara do gol. Basta você pegar a bola, treinar uns pênaltis e chutar!O importante é entender que tudo é novo e justamente por isso tudo está em fase de desenvolvimento, o que é igual a dizer que: é preciso pensar diferente, fazer diferente, é necessário inovar. Ah! Caso você queira embarcar nessa experiência, saiba que há tempos não se vende mais um produto, como hoje não se vende mais uma viagem. O que se vende é uma visão, um "conceito", um estilo de vida associado à sua marca. Por isso, esse trabalho deve ser intenso e estratégico. Uma vez que será preciso trabalhar não só a formatação e a programação dos pacotes turísticos, mas também nome, logotipo, design, slogan, patrocínio, loja, tudo... Tudo deverá ser mobilizado, redefinido, repaginado visando encontrar e dar uma alma ou um estilo à sua marca/empresa. E... se pensarmos em Brasil - um país imenso, diverso e com imenso potencial turístico inexplorado, perceberemos que precisamos abraçar esse novo mercado com ainda mais força.
Fonte: Farah Serra é Bacharel em Administração Hoteleira. Possuí dois MBAs, um em Gestão de Pessoas e outro em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios. E um Master em Inovação na Administração Pública. Em 2005, foi publicado o seu primeiro livro "Fator Humano da Qualidade em Empresas Hoteleiras". Ela é autora dos blogs Tempos de gestãoPelos campos de trigo. E Embaixadora do Bliive.